Seguros e Covid19
Na primeira quinzena de Abril de 2020 tanto a Associação Portuguesa de Seguradores (ASP) como a Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) emitiram diversas orientações genéricas, que embora não sejam vinculativas, permitem estabelecer uma linha geral relativamente harmonizada sobre o que virá a ser a prática do setor ao lidar com as diversas situações que lhe estão a ser colocadas em relação aos diversos ramos de seguros.
Resumimos aqui as principais características a que deve ter atenção em cada tipo de seguros.
1 Seguros de Vida
As situações de morte ou invalidez não têm, por regra, exclusões associadas a pandemia, estando por isso abrangidas pelas coberturas. Assim, os beneficiários poderão ter direito ao pagamento do capital previsto no contrato de seguro de vida. No entanto, recomendamos a confirmação das exclusões nas condições gerais do contrato de seguro, uma vez que pode estar prevista uma exclusão para situações em que a pessoa segura tenha contraído a doença no âmbito de uma viagem a um país ou região em que ocorra epidemia. Todavia, como a OMS declarou a pandemia, a nível mundial, pode vir a entender-se que todas as deslocações são consideradas para local de risco. No caso específico dos profissionais de saúde, com seguro de vida através das respetivas Ordem Profissionais, ficam salvaguardados os períodos de incapacidade temporária para o trabalho, caso fiquem impossibilitados de trabalhar devido à doença provocada pela Covid-19. Uma palavra final ainda para referir que a ASF recomendou um contacto prévio com os tomadores de seguro no caso de pedido de resgate de produto, com vista a um integral esclarecimento, principalmente a respeito das penalizações eventualmente previstas.
2 Seguros de Saúde
A generalidade dos contratos de seguro de saúde não cobrem despesas relacionadas com pandemias ou epidemias oficialmente declaradas, como é o caso do Covid-19. No entanto, a ASF já teve oportunidade de esclarecer, a este respeito, que as seguradoras devem manter a cobertura de ambulatório, o que abrange o pagamento dos meios complementares de diagnóstico (teste ao Covid-19) quando devidamente acompanhados de prescrição médica, bem como as despesas de saúde que sejam anteriores ao diagnóstico da infeção. Como este teste ainda não faz parte das tabelas convencionadas entre as seguradoras e as unidades privadas de saúde, será seguido o regime de reembolso. Pelo contrário, as despesas com tratamentos e internamento não se encontram abrangidas, até porque existe uma orientação da DGS no sentido de que os doentes positivos para Covid-19, após se saber o resultado do teste, devem ser encaminhados para o Serviço Nacional de Saúde. Ainda que alguns seguros de saúde incluam a cobertura de assistência ao domicílio, sobretudo devido ao risco de contágio, algumas seguradoras estão a suspender esta cobertura, o que nas circunstâncias atuais se apresenta como justificável. Naturalmente, mantêm-se em funcionamento os canais de medicina online e, com reforço, as linhas telefónicas de apoio das seguradoras. Tal como dizíamos nas notas iniciais, o sector tem reagido de maneira muito expedita e em consonância com as necessidades pelas pessoas, pelas empresas e pelo mercado em geral, tendo inclusive uma seguradora anunciado já a criação de um seguro de Saúde Covid-19. Trata-se de um benefício adicional através de um pacote de cobertura destinado aos colaboradores das empresas com mais de 20 empregados. A cobertura inclui subsídio diário de hospitalização e de convalescença. A subscrição é obrigatória a todos os empregados da empresa, sendo todos elegíveis, com a idade limite de permanência a situar-se nos 70 anos.
3 Seguros de Acidentes Pessoais
A infeção pelo vírus Covid-19 não pode ser considerado um acidente, requisito necessário para se considerar coberto pelo seguro de Acidentes Pessoais. Já no que diz respeito às coberturas de assistência, que podem incluir as despesas médicas, repatriamento e cancelamento de viagens, caso tenham sido contratadas, poderão estar incluídas, desde que o contrato não preveja exclusões por epidemias, pandemias e doenças infetocontagiosas. Mais uma vez será necessária uma análise casuística e rigorosa dos termos do contrato.
4 Seguros de Acidentes de Trabalho
A implementação da obrigatoriedade do teletrabalho, quando as funções o permitam, gerou a necessidade de alterar o local de risco nos seguros de acidentes de trabalho das empresas. Considera-se local de trabalho todo o lugar onde o trabalhador se encontra ou para o qual deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo da entidade empregadora (art.º 8º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04/09. Uma vez que os trabalhadores deixaram de exercer as suas funções nas instalações das entidades patronais e passaram a fazê-lo nas suas residências, serão estas os seus locais de trabalho. Assim, torna-se necessário alterar o local do risco junto das seguradoras, para salvaguardar uma eventual situação de sinistro que os trabalhadores possam sofrer enquanto trabalham nas suas habitações. Ainda que algumas seguradoras já tenham anunciado que dispensam a comunicação da mudança do local de trabalho, como tal não aconteceu com todas, e como medida generalizada de cautela, recomenda-se que seja comunicada
(i) a lista nominal dos trabalhadores em situação de teletrabalho,
(ii) a alteração da morada do local de trabalho,
(iii) bem como o horário de trabalho, de maneira a que se possa determinar se o seguro de acidente de trabalho responde em caso de sinistro. Tem sido dito que cumpridas estas condições o seguro de acidentes de trabalho mantém as coberturas integralmente. No entanto, dado que a residência de cada trabalhador não se encontra devidamente certificada em termos de condições de higiene e segurança no trabalho, antecipamos que, em caso de sinistro, haja alguma margem para divergência, sobretudo se se conseguir demonstrar que as condições de realização da prestação laboral, em ambiente doméstico, possam ter propiciado o desencadear do sinistro. Outras das dúvidas que se tem vindo a colocar diz respeito à consideração das doenças profissionais no seguro de acidentes de trabalho. A Organização Mundial de Saúde considera a doença provocada pelo Covid-19, uma doença profissional para todos os profissionais de saúde que contraíram o vírus no local de trabalho. Uma das exclusões comuns aplicáveis aos seguros de acidentes de trabalho são as doenças profissionais. Se os profissionais de saúde contraírem o vírus no desempenho das suas funções não poderão recorrer ao seguro de acidentes de trabalho, mas não ficarão totalmente desprotegidos, porque o regime de reparação de acidentes de trabalho, previsto na Lei n.º 98/2009, de 04/09, também regula as doenças profissionais e determina que os trabalhadores têm direito a uma compensação pela perda de rendimentos que deverá ser garantida pela Segurança Social.
5 Perdas de exploração em Seguros Multirriscos ou All Risk
Nas últimas semanas muitos estabelecimentos comerciais encerraram e muitas empresas suspenderam totalmente a sua atividade, o que, não tendo precedente, gerará perdas que ainda não é possível apurar. Normalmente a cobertura complementar de perdas de exploração está associada a contratos de seguros multirriscos empresas ou All Risks, que têm como objetivo garantir a cobertura dos prejuízos que resultem da redução ou mesmo da interrupção total da atividade, que o tomador do seguro possa sofrer em consequência de um sinistro que, no local designado, tenha causado um dano no objeto seguro (normalmente, edifício, unidade industrial ou recheio). No entanto, apesar de se poderem verificar perdas muito significativas, a verdade é que o Covid-19 não causa qualquer dano material ou físico no objeto seguro, não havendo assim um evento que permita acionar a cobertura por perdas de exploração. Ainda assim, tendo em conta a especial natureza dos seguros multirriscos, concebidos com particular enfoque para fábricas, oficinas, centros comerciais, escritórios ou hotéis, entre outras unidades da mesma natureza, é muito comum que sejam contratadas coberturas para tipos de riscos muito variados, como proteção de stocks, avaria de equipamentos, privação temporária, prejuízos indiretos ou mesmo perda de lucros. E embora esta cobertura não possa ser acionada devido a uma pandemia como o Covid-19, em certas situações – e tendo em conta o circunstancialismo de cada caso – pode ser viável ponderar-se a possibilidade de acionar alguma ou algumas das coberturas específicas indicadas, caso tenham sido contratadas, minorando os prejuízos sofridos pelo tomador.
6 Seguros de Crédito
O contrato de crédito permite que as empresas subscrevam coberturas relativas ao risco de não pagamento das dívidas por parte dos seus devedores. Admite-se que este tipo de coberturas venha a ser bastante relevante sobretudo à medida que as empresas venham a ser confrontadas com as dificuldades dos seus devedores em solverem os seus compromissos e cumprirem atempadamente as suas obrigações de pagamento. As coberturas de uma apólice de seguro de crédito podem ser bastante amplas e embora tendencialmente obedeçam a padrões de contratação, não deixam de ter importantes condições especiais e particulares, com coberturas específicas que determinam que cada contrato deva ser analisado em concreto. Tendo como referência o cumprimento de obrigações pecuniárias, é comum que estes seguros cubram a falta de pagamento ou mesmo o atraso desse pagamento. Do mesmo modo, correntemente, a cobertura abrange riscos de natureza política, natural ou contratual, que sejam causa determinante do cumprimento das obrigações pecuniárias. No entanto, é fundamental proceder-se a uma análise detalhada das exclusões constantes das apólices, uma vez que estas poderão abranger precisamente a falta ou o atraso de pagamento com origem em factos de natureza absolutamente excecional e imprevisível, como as pandemias ou epidemias. Deverá ainda ter-se especial atenção em relação a eventuais exclusões com origem em riscos políticos. É possível que medidas de limitação de circulação, obrigações de encerramento de estabelecimentos, entre outras medidas de idêntica natureza possam vir a ser consideradas como riscos políticos, como tal excluídos da cobertura.
7 Seguro automóvel
O seguro automóvel mereceu legislação avulsa nesta fase, nomeadamente no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-C/2020 de 23/03, que veio prever a prorrogação do prazo de inspeção periódica por 5 meses. Assim, os veículos a motor e seus reboques, que devessem ser apresentados à inspeção periódica no período entre 13 de Março e 30 de Junho de 2020, beneficiam da prorrogação do prazo por cinco meses a contar da data da matrícula. Além disso, este regime procedeu também à suspensão, enquanto vigorar o regime de exceção, do direito de reembolso das seguradoras previsto no artigo 17.º e na alínea i), do n.º 1, do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. A aplicação deste regime excecional e transitório significa que os proprietários dos veículos não sofrerão qualquer consequência legal, nem ficarão sujeitos à obrigação de reembolsar as seguradoras, por não cumprirem com a obrigação de submissão dos veículos automóveis à inspeção periódica, pelo prazo supramencionado. Relativamente às demais coberturas, a situação excecional não implica a aplicação de qualquer exclusão do contrato. Com especiais implicações ao nível do seguro automóvel, a ASF recomendou alguma flexibilidade às seguradoras, devido à situação de maior vulnerabilidade dos seus clientes. Essa flexibilidade traduz-se nos eventuais atrasos no pagamento dos prémios e ainda nas consequências que esses atrasos podem importar na renovação dos contratos. Desta forma, fica evidente que não existe uma suspensão ou prorrogação dos prazos de pagamento do seguro automóvel, apenas podendo as seguradoras, caso a caso, e em situações que se mostrem devidamente justificadas, adotar uma postura mais flexível. Para salvaguardar situações de caducidade dos contratos de seguro por falta de pagamento do prémio, recomendamos que as situações excecionais de atraso no seu pagamento, caso seja possível, sejam previamente expostas pelas vias disponibilizadas pelas seguradoras. Outras recomendações finais passam pelo envio da carta verde por via eletrónica, obstando-se assim a eventuais atrasos dos correios, bem como pela possibilidade da referida carta verde ser apresentada em formato digital.
8 Seguros de Viagem
Possivelmente os seguros de viagem são os que proporcionam a maior diversidade de coberturas, não existindo qualquer padrão ou uniformidade de apólice, pelo que será necessário proceder a uma análise concreta dos termos do contrato de seguro em causa. Tratando-se de seguro de viagem, é importante precisar que está em causa o cancelamento por iniciativa da pessoa segura, não o cancelamento por decisão da companhia aérea. Mas sendo este último o caso, as regras aplicáveis serão de outra índole, já não no âmbito do direito dos seguros, mas que muito sucintamente deixaremos enunciadas, dada a sua utilidade prática. Neste caso, de cancelamento da viagem por iniciativa da companhia aérea, o passageiro tem o direito de optar entre o reembolso dos valores despendidos com a viagem ou a marcação da viagem para outra data [Regulamento (CE) n.º 261/2004, de 11/02], o que, tendo em conta o caráter absolutamente excecional da situação ainda está em definição, pois as companhias aéreas estão a apresentar apenas a possibilidade de entrega de voucher, ainda que com um período de utilização muito alargado, o que já mereceu uma nota interpretativa da Comissão Europeia, no sentido de reafirmar o direito do passageiro à opção entre reembolso e marcação de nova viagem. Diferentemente, se já estiver em causa, não uma decisão de cancelamento pela companhia aérea, nem por parte da pessoa segura, mas o cancelamento do voo por restrições de tráfego determinadas pelas autoridades do país de origem ou de destino, haverá lugar a reembolso dos valores despendidos. Para os casos em que a viagem ainda não teve início, é comum que os contratos prevejam coberturas para cancelamento dessa viagem devido a uma situação de doença, o que terá como efeito o reembolso dos valores pagos. O diagnóstico positivo para Covid-19 é doença bastante para este efeito, fique a pessoa doente em internada em hospital ou apenas em isolamento, em casa. Naturalmente, compete-lhe fazer prova do estado de doente. Do mesmo modo, o isolamento profilático de 14 dias, motivado por situações de grave risco para a saúde pública decretado pelas entidades que exercem o poder de autoridade de saúde, ainda que tenha sido equiparado a situação de doença apenas para o efeito específico de atribuição de proteção social na doença e na parentalidade (por força do disposto no art.º 19º, do Decreto nº 10-A/2020, de 13 de Março), deve considerar-se também como fundamento para ser acionado o seguro e exigido reembolso dos valores pagos. Ainda nos casos em que a viagem não teve início, se a pessoa segura, que não está doente, decidir cancelar a viagem por mero receio da situação de pandemia, esse cancelamento, por regra, não se encontra coberto pela apólice. Nas situações em que a viagem já teve início, estando em curso, mais uma vez as apólices têm conteúdo extremamente variado, havendo as que asseguram o pagamento das despesas médicas e cirúrgicas, o repatriamento sanitário, custos com prolongamento da estadia em hotéis, durante o período de recuperação, entre outras despesas, bem como outras que, ao invés, apresentam exclusões claras e expressas em relação a situações de pandemia, epidemia e doenças infetocontagiosas com perigo para a saúde pública, pelo que só a análise concreta dos termos e condições da apólice permitirá dar uma resposta válida e segura para o caso concreto.”